23.7.10

14.7.10

baltasar, blimunda, senhor josé e a mulher desconhecida


Um dia, uma amiga que tinha acabado de ler o Memorial do Convento, do Saramago, sabendo que eu já o tinha lido, quis saber a minha opinião sobre o livro. Vou eu e dou-lhe uma interpretação social-politica-económica-e-histórica do romance. Ela olhou para mim, com uma cara decepcionada, e disse: Para mim é apenas uma história de amor.

Mais tarde, tinha eu acabado de ler o Todos os Nomes, fui ter com ela. Disse-lhe que era a mais bela história de amor de que tinha memória - exagerar não faz mal. Ela, emocionada, pediu-me para lhe contar a história. Acedi. Quando terminei estava ela com uma cara de decepção, próxima da que tinha depois da minha análise social-política-económica-e-histórica do Memorial do Convento, e perguntou: Mas onde é que está aí a história de amor?

Ora bolas!

28.5.10




A menina Albertina partiu hoje. Escreveu. Não. A menina Alice partiu hoje. Corrigiu. Não. A menina Odete partiu hoje. Não. A menina Doroteia partiu hoje. Não. Hoje partiu uma menina, mas eu não me lembro do nome que ela levou.

27.5.10

Escrito na parede

As frases que os anarquistas escrevem nas paredes. Aquelas que fazem parar. Que fazem pensar. Sorrir, às vezes. As frases que os anarquistas escrevem nas paredes. Como sinais de fumo no meio da confusão. Como rasto de inteligência perdida entre a barbárie dos graffitis e das infantis declarações de amor. As frases que os anarquistas escrevem nas paredes. Aquelas que tiram o ar. Que alimentam a revolta. Ou o sarcasmo, ao menos. Ou a ironia, se mais possível não for. As frases que os anarquistas escrevem nas paredes. Na sua invisibilidade luminosa. No seu silêncio gritante. No seu excesso moderado. As frases que os anarquistas escrevem nas paredes. Que ficam na memória. Que já não sabemos esquecer. Que lembramos, ao menos, de vez em quando. As frases que os anarquistas escrevem nas paredes. O voto é uma arma, se a usas ficas desarmado. Os nossos sonhos não cabem no tamanho das urnas. Nem submissas nem emancipadas, violentas e descontroladas. A maior arma do opressor é a cabeça do oprimido. As frases que os anarquistas escrevem nas paredes. No meio do Amo-te Cátia ou do Fuch the police, escrito assim, tal como está aqui, suponho que por mau domínio do inglês, mas podia ser também pudor, boa educação vinda de quem menos se espera, fuch em vez de fuck. As frases que os anarquistas escrevem nas paredes. No meio dos símbolos de uma revolta inconsequente, se revolta é e não apenas primitivo instinto de adolescências perdidas. As frases que os anarquistas escrevem nas paredes. Como quem resiste. Ainda. Apesar de tudo. Como quem insiste. E existe.

26.5.10

respirar

o melhor de roger waters não está nos pink floyd. não está em dark side, não está em wish you were here, nem em animals, nem em the wall, nem sequer, embora aqui eu hesite um pouco, em the final cut. não está sequer na carreira a solo depois dos pink floyd. nem nos primeiro tempos da banda. o melhor de roger waters são essas poucas canções desse curto interregno, em 1970, quando waters e ron geesin fizeram music from the body. as poucas canções que waters fez para esse álbum são o melhor de waters, a começar e acabar neste breathe. respirar. como se não fosse preciso mais nada.

Close your eyes, lie still
You are a mountain stream and I am a hill
Far, far away
There is a field of blossom and bees and new mown hay

25.5.10

Advertência de leitura

Estes pequenos textos que aqui têm aparecido, embora possam parecer imbuídos de um falso tom geral, que o seu reduzido tamanho não chegaria para conter, são, na verdade, efeito de reacções momentâneas a situações particulares muito específicas. O primeiro está longe de ser sobre temas enormes como Deus e o Diabo, é apenas uma reacção momentânea ao facto, tão familiar a qualquer pessoa, de ter dado por mim a fazer o contrário do que queria fazer. O segundo teve origem depois de ouvir uma intervenção, acompanhada de proposta política, daquele que, ao que parece, será, porventura ou falta dela e de acordo com o fado dos brandos costumes, o próximo primeiro-ministro de Portugal. O terceiro querendo parecer um texto, em tom definitivo, sobre a blogosfera, é, na verdade, apenas uma reacção à leitura de um blog onde abundava a, por assim dizer, conversa de "tia". A própria autora do blog tinha, diga-se em suporte desta tese, nome de "tia". Um daqueles clássicos diminutivos com que gostam de ser tratadas. O próprio rosto da autora, tal como a fotografia nos mente, é de uma lisura irrepreensível, sem uma única ruga, e com aspecto de boneca de porcelana. Perfeito, suponho, para admiradores do género. O quarto é por demais evidente, é aquele que mais claramente mostra a natureza, comum a todos os outros, da sua origem. Reacção às reacções que a professor Bruna gerou um pouco por todo o lado. Finalmente o que antecede este que agora publico, está longe de ser um texto sobre o surgimento de um novo fascismo (o que quer que isso seja). É apenas uma reacção, igualmente momentânea, à leitura de um artigo de um blog onde me pareceu estar bem patente uma certa discursividade que faz as delícias daquilo que me ocorreu chamar o regresso do fascismo. Inadvertidamente, com gesto tão inconsciente quanto o de Pandora a abrir a outra caixa, abri a caixa de comentários e deparo com uma enxurrada de comentários, todos alinhados pelo mesmo diapasão, excepto no caso de um instrumentista cuja presença na orquestra rapidamente foi "posta em causa".

Continuarão a ser assim os textos deste blog? Reacções momentâneas a situações particulares com um falso tom de generalidade? Que sei eu. Talvez sim. Talvez essa seja a natureza deste ab-estrato. O tempo o dirá.

24.5.10

O regresso do fascismo

O fascismo actual não usa botas cardadas nem vem com pézinhos de lá. O fascismo actual fala muito e, tal como o outro, é extremamente popular. O fascismo actual traz a lição estudada. Tem a verdade no bolso. E sabe sempre distinguir o bem do mal. O fascismo actual tem certezas e convicções. Mesmo que sejam quase sempre formadas pela ordem natural das coisas. O fascismo actual nunca se engana e tem sempre razão. Traz o receituário para salvar o mundo. E se não ama a felicidade quer ao menos espalhar a miséria, mesmo essa, de se ser feliz. O fascismo actual veste roupa de marca, e se espuma pela boca é só por hábito ancestral. O fascismo actual não tem nenhuma utopia, nenhum sonho para partilhar. Tem só o dia a dia. O fascimo actual é o que tem que ser. Sabíamos que o fascismo ia voltar. Não sabíamos que nome viria a ter. Sabemo-lo agora que já está entre nós. O fascimo actual é o pensamento comum.

21.5.10

Uma questão de género

Já muito se escreveu, pela blogosfera e não só, sobre uma tal professora Bruna que decidiu posar nua para a Playboy. Dividiram-se opiniões, confrontaram-se concepções do mundo e da liberdade, apresentaram-se argumentos claros ou distorcidos, trocaram-se lições de moral, fez-se humor mais ou menos fácil. Mas a mim o que me perturba verdadeiramente é a possibilidade do professor Bruno posar nu para a Playgirl. Isso, no fundo, é que seria interessante. O dia seguinte, seria interessante. Como se dizia a propósito da criminalização do aborto, se os homens engravidassem o aborto nunca teria sido ilegal. E pergunto eu agora: Então e se em vez da professora Bruna tivesse sido o professor Bruno? O que teria acontecido? Aceitam-se palpites.

20.5.10

O fim da imaginação

Se pensarmos bem, no fundo, a blogosfera morreu. Talvez já tenha existido, um dia, no princípio de tudo, quando um blog servia para tentarmos ser maiores do que nós próprios. Agora os blogs ganharam a nossa dimensão. Tornaram-se tão pequenos e insignificantes como nós próprios o somos. Passaram de lugares onde criávamos a lugares onde já nem sequer testemunhamos. Limitamo-nos a apontar umas coisinhas, a dizer uns disparates, a contar umas historietas. Navegar na blogosfera tornou-se quase maçador. O blog individualizou-se. Deixámos de ter autores (actores), e passámos a ter as pessoas tais como elas são na realidade. E que nos contam não as histórias que inventam, ou que reinventam - provavelmente a forma mais radical de inventar - mas as coisas que aconteceram tal como aconteceram. Isto é provavelmente natural. A blogosfera deixou de ser o lugar de imaginário refugio para aqueles/aquelas que queriam criar, e passou a ser o lugar de quem só quer dizer estou aqui, olhem para mim. Deixou de ser o lugar onde o autor se apaga e passou a ser o lugar onde cada frase, cada ideia, cada movimento, nos faz ver a pessoa que lá está. O falso autor diz eu porque não consegue, não sabe, não quer dizer mais nada.

18.5.10

Parto sem dor

Este governo está a aproximar-se do fim. Está em processo de deterioração. Basta ouvir o ministro das finanças ou o ministro da economia falarem para percebermos que estamos perante cadáveres políticos. Esta crise é um presente envenenado. O PEC é um remédio que matará quem o administra. Passos Coelho e o PSD já perceberam isso. Mas querem poupar o moribundo, não vá precisarem dele para a engorda. Daí a aproximação, o elogio envergonhado e, mais ou menos, escondido, a recusa da censura. Os partidos do centro descobriram a pólvora quando perceberam que já não se ganham eleições. Só se perdem. Para a coisa correr bem não pode ser o partido da oposição a ganhar eleições. Isso poderia criar uma dinâmica suficientemente forte para exigir reformas e mudanças profundas. Tem de ser o partido do governo a perdê-las. Para que tudo possa continuar na mesma. Com pequenas variantes. Passos Coelho sabe isso perfeitamente. E apesar de ser um populista, é-o no género controlado. Era o que o PSD precisava. Um demagogo barato com um ar mais sério do que Sócrates. E igualmente um rapaz jeitoso. Com gravatas mais coloridas. Tem futuro. Mas tem que ser um futuro muito lento. Já começa a impor a sua lógica na governação socrática. Provavelmente nem daremos pela substituição. Um dia fecharemos os olhos por breves momentos e quando os abrirmos já lá estará um em vez do outro. Quase nem se dá pela diferença. Já está. É um lindo menino.

16.5.10

De Deus e do Diabo

Deus é a nossa forma de resistir ao Diabo. Só o Diabo é conteúdo. Deus é pura forma. E essa forma só se realiza na luta contra o conteúdo diabólico. O Evangelho de João diz, e com razão, que o mal é apenas a ausência do bem. O Diabo é apenas a ausência de Deus. Mas não é possível substituir o conteúdo diabólico por um suposto conteúdo divino. Substituição essa que na ilusão de alguns nos levaria ao paraíso. O contrário é sempre o resultado. A imaginária substituição do conteúdo diabólico pelo conteúdo divino é o inferno. Deus é pura forma. E essa forma só se realiza, só adquire conteúdo, na nossa luta contra o Diabo. Deus é o modo que temos de vencer o mal. A nossa única forma de enfrentar o Diabo. Contra a mentira do conteúdo precisamos da verdade da forma.